terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

DEMOCRACIA INESPERADA


Trabalho apresentado à disciplina de Direito e Sociedade II, como requisito parcial de avaliação.

Orientadora: Profa. Me. Luciene Pazinato


DEMOCRACIA INESPERADA


Nesse resumo, do artigo escrito no início do século XXpelo Professor Bernado Sorj (2004), observaremos uma reflexão sobre as metamorfoses nas ordens (jurídica e política) da sociedade moderna durante a história ocidental. O texto “Democracia Inesperada”, traça um rascunho da construção forjada na disputa dos ideais do contrato de trabalho, sua evolução para o desenvolvimento social igualitário e sua mutação nas lutas por democratização.
A história do direito do trabalho se aproxima da história do processo de reconhecimento do contrato de trabalho e acarretou a exigibilidade regulamentadora dos limites da arbitrariedade deste, porque um contrato entre indivíduos livres não envolve só o trabalho, mas também o trabalhador.
O processo de afirmação de identidade legal do trabalho é concomitante à afirmação identidade do trabalhador como um grupo social particular, mas também baseou aos direitos sociais que se afirmaram com Estado de bem-estar social que, por sua vez, entrou em crise e culminou com o declínio das formas de participação política e a fragmentação da representação social impactando também o judiciário.
Concluirei este trabalho com uma breve análise conjuntural sobre a atualidade de alguns fenômenos que ilustram alguns das tendências apontadas por Sorj (2004). Tratarei sobre a crise socioeconômica, iniciada entre o final de 2007 e o começo de 2008, nos EUA que na fase mais aguda fez as burguesias do mundo se esqueceram da pregação a favor do “menos Estado” e que, a partir de 2010, buscou-se a redução do deficit público e controle das dívidas públicas.
No percurso dos direitos trabalhistas ao direito das minorias, Sorj demonstra a existência da contradição entre os direitos de liberdade e direitos econômicos durante a história política moderna que no ínterim de dois séculos na Europa e de um século na América Latina, este foi o centro dos conflitos sociais. No mundo do trabalho, geralmente, a ordem jurídica e a política da sociedade moderna faz a consolidação primeiramente do paradigma do contrato de trabalho e depois transita ao paradigma de desenvolvimento social.
Os valores de justiça social antecedem o discurso da modernidade, construído em torno da ideia de direitos individuais (noção de que cada indivíduo é um sujeito de direitos) num mundo em que o sistema legal se embasa num acordo racional entre os membros de uma comunidade. Ao contrário dos direitos individuais, a alegação dos “direitos sociais" se apresenta ao longo da história humana (na Bíblia não faltam exemplos de diretrizes ligadas ao bem-estar dos pobres).
A história do direito do trabalho se aproxima da história do processo de reconhecimento do contrato de trabalho e da exigência de um regulamento específico para limitar a arbitrariedade deste, porque, embora seja relação entre indivíduos livres, não envolve só o trabalho, mas também o trabalhador. Em outras palavras, a "coisa" trabalho não se distingue da "pessoa" trabalhador. Este processo esteve intimamente associado com a luta dos movimentos sociais (sindicatos e partidos políticos).
Por trás do direito do trabalho vem o ideal que embasou o código de defesa do consumidor, segundo o qual, um contrato validar-se-á só quando realizado entre partes livres e iguais em negociação. A regulação via direito do trabalho, em parte, enfrentou o problema da responsabilizando o empregador pelas condições de trabalho, utilizou-se o mecanismo de "seguro social" universal para distribuir os custos dos acidentes e, subsequentemente, da velhice e da sobrevivência dos desempregados.
O processo de afirmação de identidade legal do trabalho é concomitante à afirmação identitária do trabalhador como um grupo social particular, o Direito do trabalho gerou um movimento que produziu uma nova percepção dos direitos sociais. Portanto, gerou-se um conjunto de direitos comuns mínimos de segurança e bem-estar. Sorj tratou também sobre as tendências à fragmentação dos direitos dos trabalhadores em decorrência das categorias e subcategorias específicas. O resultado será um aumento do enfraquecimento da solidariedade coletiva e da importância da negociação coletiva.
O Direito do trabalho também redefiniu a distinção entre desigualdade e hierarquia. Ele criou um objetivo fraternidade assumido pelo Estado. Portanto, há a criação de uma nova figura coletiva a da cidadania, expressa na forma de direitos sociais segurança mínima. No entanto, essa figura fraterna constituir-se-á sob a orientação da racionalidade do reconhecimento da interdependência do sistema social. O direito do trabalho é um esforço para integrar as dimensões coletivas e apoio da vida social nas categorias legais da modernidade, com base no valor dos direitos individuais universal.
Os valores de igualdade material, implicitamente reconhecidos pelo direito do trabalho, foram assediados a intervir como reguladores do Estado. Eles objetivavam restaurar a força da igualdade jurídica frente ao reconhecimento da tensão entre as dimensões social e legal.
O objetivo final do direito do trabalho é "civilizar" as relações sociais dentro da empresa e substituir as relações de poder personalista por relações de direito, assim promover-se-á transformação do trabalho e dos objetos da empresa. O Direito do Trabalho originou-se em decorrência da luta dos trabalhadores e também dos diagnósticos dos intelectuais e órgãos do Estado sobre as razões da pobreza, geradas pelo novo mundo industrial, eles indicavam a necessidade de intervenção pública.
Desta maneira surge o projeto de integração da sociedade em torno do Estado nacional, mas a partir dos anos 70, o Estado de bem-estar entra em crise. Entretanto, seus resquícios permanecem até hoje na base da integração social das sociedades capitalistas. A crise do Estado-providência foi o produto de um longo processo por direitos, que se originaram em torno da figura do trabalhador, e tornou-se generalizado culminando numa desconexão do sistema de seguro obrigatório que o financiou. O novo contexto criado pelas políticas neoliberais causou uma dupla erosão: no topo, em decorrência dos problemas de administração e, na sua base, devido ao aumento da distância das ideologias da classe média e da solidariedade coletiva.
Apesar das reformas do Estado ainda em curso na Europa e na maioria dos países da América Latina, nas quais os alguns direitos trabalhistas e previdenciários se alteram ou se esvaíram, os gastos dos Estados com questões capitalistas permanecem constantes ou aumentaram sua parcela no orçamento do Estado. Portanto, não se deve esquecer que o Estado de bem-estar ainda é a principal base da solidariedade social e das expectativas de direitos básicos dos estados capitalistas avançados. Portanto, em meados dos anos 70 houve um enfraquecimento dos bens coletivos e das categorias homogêneas.
O mundo do trabalho tornou-se fragmentado mesmo como uma expressão do sucesso das negociações dos diferentes grupos de trabalhadores, mas, a partir dos anos de 1970 se acelerou a transformação interna da classe trabalhadora sob o impacto de múltiplos fatores. Houve um declínio crescente do setor industrial e o crescimento do setor de serviços passou a liderar o número de postos de trabalho. Além disso, as novas técnicas de gestão de negócios, a flexibilidade e a redução do contingente da força de trabalho empregada afetaram as bases dos sindicatos.
Outro elemento analisado foi o processo da constituição de uma forma de “dominação fragmentação direitos”. A "crise da classe trabalhadora " e das utopias sociais que está ligada, simultaneamente, como causa e efeito do aumento do processo de individualização de valores e das relações sociais na sociedade contemporânea. O atual processo de institucionalização do indivíduo, num contexto de enfraquecimento dos mecanismos e dos laços que os ligavam à sociedade e ao sistema cultural.
A democratização, para alguns autores, é uma radicalização da democracia, no entanto, a análise dos processos sociais concretos não justifica esse otimismo. No mundo contemporâneo, a passagem do individual para o social ocorre através de duas construções aparentemente contraditórias, mas que representam o novo estado de indivíduo moderno. Para alguns, a referência central é o discurso dos direitos humanos, que, por seu caráter altamente abstrato e geral proporciona um substrato em torno do qual é possível reivindicações particulares. Para outros, uma vez que perdeu visão corporativa em torno do Estado e do sistema político, as religiões são referência à reconstrução das identidades coletivas fora de incertezas da sociedade mundana.
Assim, novas lutas sociais afetam o mercado e ou o Estado, sem necessariamente afetar a distribuição desigual da riqueza na sociedade como um todo. O impacto dessas novas identidades no processo de democratização das relações sociais é contraditório porque, por um lado, eles renovam a vida democrática como grupos sociais (mulheres, minorias sexuais, étnicos) oprimidos no processo de construção do Estado moderno, mas ofuscam perspectivas classistas. Sorj aponta que as identidades coletivas centradas na questão da diferença implodem a possibilidade de um quadro sociológico unificado para o estudo da desigualdade social. Portanto, é cada vez maior a referência à posição relativa dos grupos específicos dentro da sociedade (mulheres, negros, latinos, imigrantes, homossexuais) reconstruindo identidades numa lógica de reconhecimento das diferenças. A visão geral do processo de desagregação da sociedade e radicalização das aspirações políticas, direitos dissociados, permite a elaboração de projetos corporativos e aprofunda o discurso da democratização da sociedade e, simultaneamente, aumentando a desigualdade econômica.
O fenômeno, descrito acima, demonstra a fragmentação da representação social tornou possível o paradoxo do mundo contemporâneo cada vez mais democrático e cada vez mais desigual economicamente. Tal situação reflete uma crise da representação política e o papel do Judiciário. A história da transformação dos direitos de cidadania nas sociedades capitalistas ocorre paralelamente à transformação das relações entre os Poderes (legislativo, executivo e judiciário). Essa mudança foi concomitante com a transformação de um poder legal, por causa da constitucionalização do sistema político e a judicialização dos conflitos sociais.
A constitucionalização do sistema político, envolve tanto a Executivo e do Legislativo, expressa o declínio das formas de participação política e a fragmentação partidária da representação social. Na área da justiça, a constitucionalização do Direito significou uma certa aproximação da tradição continental com a tradição do direito comum britânico, na medida em que o aumento de referência às questões constitucionais e a crescente importância do Judiciário na sociedade deslocou o papel tradicional do juiz ao de intérprete ativo da lei.
A contratação de relações sociais permite que, em nome da autonomia das partes, a reintrodução de relações de poder e opressão no mundo do trabalho, enquanto constitucionalização leva a um racha entre os cidadãos e as decisões e compromissos políticos assumidos pelos governos democraticamente eleitos. Novas formas de representação coletiva, a perda da crença na política e nas ideologias partidárias de transformação social, substituiu-se pelo discurso dos Direitos humanos e enfraqueceu o papel ideológico e funcional do Estado como agente regulador do processo de modernização social.
A fragmentação dos interesses colocou a luta pelos direitos humanos no centro da vida pública e reforçou o papel do Judiciário frente aos processos Executivos e Legislativos. A judicialização do conflito social e da criação de identidades coletivas têm novos problemas de governança da sociedade contemporânea. Neste contexto, a dinâmica institucional causa um deslocamento das reivindicações, que são feitas diretamente ao Poder Judiciário, para elaborar fora do sistema de político e do Estado.
Desta situação acima advém o perigo de implosão sistema democrático em paralelo com a incapacidade do Estado para absorver as diferentes demandas sociais, o perigo hoje vem de um ânimo moral da esfera pública em decorrência da perda de identificação com o sistema político organizado em todo o Estado. Importante, neste contexto, é a análise da crise socioeconômica, iniciada entre o final de 2007 e que impodiu no começo de 2008, nos EUA prossegue sem dar sinais de que chegará ao seu fim. Na fase mais aguda as burguesias do mundo se esqueceram da pregação a favor de “menos Estado” e seus governos injetaram trilhões de dólares e euros na economia, para salvar o sistema financeiro e grandes empresas.
A partir de 2010, elas se inclinaram para outra linha de política econômica, esforçaram-se pela redução dos déficits públicos e pelo controle do crescimento das dívidas públicas. Os casos mais extremos destas políticas atingiram o sul da Europa e provocam fortes recessões, redução do Produto Interno Bruto (PIB) e das arrecadações. O que se deixa de gastar de um lado não é arrecadado do outro, e as dívidas públicas crescem em relação ao PIB. O objetivo real é reduzir o custo da força de trabalho e dos impostos para o capital.
A crise ambiental, menos visível do que a crise econômica, porém, mais profunda, também é uma fator que dificulta a saída da crise sistêmica do capitalismo global. A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera já ultrapassa 400 partes por milhão. Os combustíveis fósseis, fonte maior de emissões de CO2, são a principal fonte energética que move a economia e têm grande peso na acumulação capitalista: por exemplo, seis das 10 maiores empresas do mundo em faturamento são petroquímicas.
A queima desses combustíveis já conduziu ao aumento da ocorrência de ondas de calor, enchentes e outros eventos, cujos impactos são desiguais (Recaem mais fortemente sobre pequenas nações, sobre os pobres e as mulheres, sobre os povos indígenas e demais comunidades que dependem dos modos de vida tradicionais). Por isso, estes setores estão na linha de frente na luta contra a crise ecológica, em especial no enfrentamento do agronegócio.
Neste contexto, há, desde 2011, uma situação internacional de crescimento das “experiências coletivas de conflito” (GADEA, 2011): A primavera árabe abriu um processo prolongado de mobilizações e transformações; a Europa assistiu a manifestações de indignados e tem vivido um grande processo de greves e lutas contra as políticas de austeridade; a indignação ocupou Wall Street e se espalhou pelos EUA; os estudantes chilenos e do Quebec; multidões às ruas da Turquia. Em junho de 2013 esta onda chegou ao Brasil. Combinam-se uma profunda e duradoura crise econômica e social e crescimento nas lutas de povos de várias partes do planeta, com a participação de múltiplos atores sociais: trabalhadores, juventude, mulheres, indígenas, camponeses pobres, todos os que sofrem com o racismo, desempregados. Em alguns casos, e em regiões cruciais do planeta, revoltas populares modificam a correlação de forças e a ordem regional. No norte da África e no Oriente Médio estão em andamento processos revolucionários inconclusos, como se verifica agora no Egito e na luta contra Assad.
Diante da conjuntura, exposta acima, surgiu a questão: a mudança em curso na situação política internacional trará novas possibilidades para a reconstrução de uma identidade coletiva? No Brasil, há alguns anos redesenhou-se a cara dos movimentos sociais com uma organização mais horizontalizada e isto se intensificou em 2012, com o maior número de greves desde 96, tendência que se confirmou em 2013. Além das lutas por melhores salários e condições de trabalho, multiplicaram-se as mobilizações por uma agenda ampla e diversificada contra a homofobia, o machismo e o racismo. Exemplo disso é o crescimento das Marchas das Vadias. Também se destacam as lutas dos povos indígenas de todo o país, cada vez mais visíveis, em particular contra a construção de Belo Monte. Outras lutas foram: contra a política de encarceramento e extermínio das populações mais pobres das periferias (vide caso do pedreiro Amarildo no Rio de Janeiro); a luta de setores populares pelo direito à moradia e contra as remoções, despejos e “reurbanizações segregadoras”, em particular as resultantes dos megaeventos esportivos. Os novos movimentos surgiram e se tornaram protagonistas, suplantando parte das formas tradicionais de organização da classe do ciclo anterior que se burocratizaram.
O descontentamento estrutural com a má qualidade dos serviços públicos e de infraestrutura urbana (sucateados pelo receituário neoliberal) se choca com um festival de benefícios ao capital concedidos pelos governos. Neste contexto (luta contra aumentos de preços dos transportes públicos, indignação contra a repressão e revolta contra os gastos do modelo excludente da Copa) houve as jornadas de junho, um levante nacional popular, com eixo na juventude. Na ocasião se mobilizaram milhares de estudantes, trabalhadores e trabalhadoras contra todo tipo de governo e casas legislativas, contra praticamente todas as instituições vigentes, pelo fortalecimento dos Direitos Humanos e da democracia real.
Setores de direita tentam disputar a pauta e o caráter das mobilizações, impulsionados pela grande mídia, em especial a Globo, apoiando-se na ampla desconfiança existente em relação aos partidos, especialmente aos partidos que vêm de uma tradição de esquerda, e que no poder frustraram milhões. A juventude que entra na cena política depois de dez anos de governos do PT não vê diferença entre estes governos e os de outros partidos, mas os partidos tradicionais da direita não têm legitimidade para ganhar as ruas; a disputa do movimento pela direita não gerou resultados significativos.
O processo foi altamente progressivo. O método que marcou as mobilizações, e levou às vitórias iniciais, foi o das massas nas ruas. Outros métodos de luta foram o sistemático enfrentamento com a repressão policial, o bloqueio de estradas e ruas e as ações ofensivas sobre palácios do governo, congresso nacional e casas legislativas. Foram depredadas agências bancárias, indicando revolta contra o capital financeiro. As grandes mobilizações abriram uma dinâmica rica de atos diários, múltiplos atores, múltiplas reivindicações; de politização intensa da sociedade, de reuniões e fóruns amplos, de diversos setores sociais.


REFERÊNCIA:


GADEA, Carlos A. A violência e as experiências coletivas de conflito. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 92, p. 75-98, 2010.
SORJ, B., A Democracia Inesperada: cidadania, direitos humanos e desigualdade social. Rio de Janeiro, Jorge Zahar. p. 34-63







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